quinta-feira, 5 de abril de 2012


SENTIMENTOS E  DILEMAS DE PROFESSORES  DE MATEMÁTICA EM
INÍCIO DE CARREIRA DOCENTE

Célia Margutti do Amaral Gurgel A formação inicial e continuada de professores está se afirmando cada vez
mais como área de pesquisa imprescindível para a busca de  melhoria da qualidade do
ensino em geral, e Matemática em particular, pela necessidade de se entender o
desenvolvimento desse profissional em seu processo  contínuo, amplo, flexível,
interativo e acumulativo. A ausência de produções específicas sobre a inserção
contextual e a  práxis docente no início da carreira profissional de docentes  no Brasil, e
também na América Latina (ABARCA, 1999), sobretudo  de Matemática, motivaramme  a desenvolver uma pesquisa sobre este tema, já  que esta fase, segundo minha
própria experiência (cinco anos de magistério),  é  decisiva para  os docentes, em geral,
e os que  ensinam Matemática, em particular. Entendo que, é nesse período que todos os
docentes sofrem seus primeiros impactos com a realidade escolar, sendo estimulados a
refletirem, seja ressignificando e ou preservando posturas que, em seus cotidianos,
adotam como crenças docentes. Ainda, nesse período, vão estabelecer interações com
seus pares, construindo algumas lógicas importantes que poderão se tornar definitivas
para suas ações docentes. Nessa investigação, busquei verificar, a partir de suas
histórias de vida anteriores à opção e exercício neste ofício, quais foram suas
impressões e sentimentos frente à inserção no contexto escolar e aos seus saberes
docentes. Para o desenvolvimento da carreira docente VONK, citado por MARCELO
GARCIA(1999) destaca três dimensões: pessoal, contextual e
conhecimentos/habilidades e procura ir um pouco além dos debates entorno da
formação do professor e seu saber específico, articulando essas dimensões para dar
maior visibilidade aos valores, crenças e significados que esses manifestam no decorrer
de seus ofícios. LLINARES (1990) reconhece que, ao se analisar mais  profundamente
as características das inserções contextuais e práticas pedagógicas do professor,  no
âmbito de suas mediações  sociais no processo ensino-aprendizagem,  descrevendo e
procurando compreender novos e diferentes elementos da sua  vida de professor e as 2
relações em potencial, é possível ampliarmos nossas compreensões sobre o que ocorre
nas aulas e como os alunos aprendem determinados conceitos ou habilidades e
procedimentos em Matemática. Segundo MARCELO GARCIA (1999a), é importante
que se reconheça que  todas as informações obtidas sobre a vida dos docentes antes e
durante suas atuações  profissionais, poderão ajudar a esclarecer melhor este período,
pois os professores adquirem conhecimentos, habilidades e atitudes que podem levar ou
não a sério um ensino de qualidade. PONTE(1992), nesse sentido, também reconhece
que estudos sobre a formação do professor de Matemática e seu início da carreira, não
tem aprofundado concepções significativas de ordem  pessoal, epistemológica e
pedagógica, tão importantes no desenvolvimento de uma carreira docente mais
inovadora. GONÇALVES (op.cit), reconhece que, a carreira docente inicial,  não
contemplando  em  seus estudos este lado pessoal mais amplo, dos professores, deixa de
desvendar o universo profissional  tendo  como referência um contexto social onde se
entrecruzam as vertentes pessoais e interpessoais,  recorrendo-se mais à análises
interpretativas dos discursos por eles elaborados. No âmbito das  estratégias de inserção
inicial profissional e formação docente, para um melhor desenvolvimento profissional,
destacaria ainda MARCELO GARCIA (op.cit, p.5)  ao afirmar:
(...) El período de iniciación a la enseñanza representa el ritual que
há de permitir transmitir la cultura docente al profesor principiante
(los conocimientos, modelos, valores y símbolos de la profésion), la
integración de la cultura en la personalidad del próprio profesor, así
como la adaptacíon de éste al entorno social en que lleva a cabo su
actividad docente. (...) Es una etapa de tensiones  y aprendizajes
intensivos en contextos generalmente desconocidos,  durante la cual
los profesores principiantes deben adquirir conocimiento profesional,
adémas de conseguir mantener un cierto equilibrio
personal.(www.campus-oei.org/oeivirt)
SILVA (1997), LOUREIRO (1997) e CAETANO (1997) também apresentam
dados relevantes sobre a iniciação na prática docente, afirmando existirem muitos
problemas detectados em início de carreira docente, mas que pouco se sabe sobre as
situações educativas em que as experiências dos professores se tornam problemáticas e
sobre as características pessoais dos próprios professores que interagem com essas 3
situações. Em síntese, as visões desses autores, sob diferentes argumentos,  convergem
quando consideram que:
• A dimensão pessoal tem importância significativa para o equilíbrio e segurança de
uma professor iniciante, em transição;
• A dimensão contextual, dentro do contexto específico da escola, vai solicitar do
professor iniciante, adaptação à cultura e organização escolar lá existente;
• A dimensão sobre saberes docentes e habilidades, implicarão em conhecimento
didático do conteúdo, habilidades na gestão da sala de aula e estrutura do ambiente,
para um processo de ensino-aprendizagem de Matemática;
• O desenvolvimento profissional docente deve ser visto como elemento
multidimensional e dinâmico entre as diferentes etapas da experiência pessoal, tais
como: fatores ambientais em geral, carreira, vida e socialização e diferentes
aprendizagens ao longo da vida;
• A inserção inicial do professor, no processo de ensino, implica nas dinâmicas e
interações de três ordens: pessoais, formativas e de prática profissional;
• As trocas e interações simbólicas são fundamentais  no momento da prática do
professor, porque o saber é sempre contextualizado e se manifesta de forma afetiva,
cognitiva e social;
• Conhecimentos e crenças influem na compreensão e implementação dos currículos
desenvolvidos em aula pelo professor;
• A formulação clara das questões, pelo professor, para desenvolver as atividades
escolares (seus processos e significados) são essenciais para as relações e ações de
trocas simbólicas no processo ensino-aprendizagem;
• Embora a formação de professores/as respondam à uma determinação socialmente
pré-estabelecidas, a função de seus trabalhos sociais é a de Ensinar Matemática;
• A didática específica pode ajudar na reflexão das concepções e atos educativos em
sala de aula, promovendo um ensino de ordem cultural e social;
• O período de iniciação profissional docente, nos primeiros anos, é um período em
que o professor também aprende; 4
• O “choque com a realidade” transforma, esse período, propício a surgimento de
dilemas;
• É um período de fortes pressões profissionais, que influenciam na vida pessoal, e
tendem a transições no próprio ciclo de vida.
1. Procedimentos investigativos e análise dos dados
A pesquisa, de natureza exploratória e descritiva, se apoiou em procedimentos
estratégicos múltiplos como histórias de vida, questionários semi-abertos e outros
registros escritos, como cartas hipotéticas dirigidas à Secretaria de Educação do Estado
de São Paulo e às Faculdades formadoras dos professores, com a finalidade de
identificar os sentimentos e/ou impressões até o momento vivenciados e experiência dos
pelos docentes, no âmbito do ensino, capacitação profissional, interações no contexto
escolar e entorno social. Estudos de BASTIDE (1953), BOGDAN e BIKLEN  (1994),
WOODS (1999), HAGUETTE (1999), FÉLIX (1998), CONNELLY e CLANDININ
(1995) tornaram-se fundamentais ao trabalho, em razão do suposto de que as relações
sociais, decorrentes dos diversos momentos da vida dos sujeitos, podem  influenciar na
visão de seus  mundos,  inclusive na percepção da prática de professor, porque será,
desse novo processo, que  novas interações simbólicas  ocorrerão, mantendo e ou
rompendo com as percepções  existentes.
O universo do estudo  constituido de 04 professores/as de Matemática (02
homens e 02 mulheres) com efetiva prática docente entre 01 a 04 anos, de escolas
públicas, foram selecionados inicialmente de maneira aleatória, e, posteriormente,
escolhidos em termos de suas condições trabalhistas: dois concursados e dois admitidos
em caracter temporário, de escolas estaduais diferentes. A questão de gênero também
foi introduzida como critério, de análise,  para  verificar se  as experiências entre
homens e mulheres, na fase de transição, revelavam características diversificadas tanto
em termos de seus saberes, quanto suas práxis.
2- Inserção na carreira docente: impactos de uma realidade
Para este trabalho, quatro categorias foram selecionadas: impactos e
percepções frente à realidade da gestão escolar, influência familiar e educação básica,
interações no contexto escolar e a formação inicial, com o objetivo de compreender a
inserção na carreira docente. As percepções e impactos frente à realidade da gestão 5
escolar no início da carreira foram narrados pelos professores(as) e confirmaram alguns
aspectos que caracterizam esse início segundo a literatura existente. Segundo a literatura
sobre o tema, o encontro com a realidade em sala de aula, parece revelar dificuldades na
relação professor-aluno-conteúdo-sociedade e as interações mútuas advindas desse
processo de ensino-aprendizagem. Ivan, por exemplo, relata em sua entrevista que:
(...) No primeiro ano que eu dei aula, eu dei à noite, então eu recebia
ameaça dos alunos que não concordavam com o meu método de dar
aulas, não sei se era por causa do método, ou por causa do meu jeito,
sei lá!, eu era muito rigoroso, aquela coisa de sair da faculdade e
querer defender o mundo, querer ensinar tudo rapidinho (...)Eu,
sinceramente, até achava que eu era muito rigoroso mesmo, eu queria
explicar direitinho, que [os alunos] ficassem quietinhos; eu queria
escutar só um mosquitinho voando na sala de aula (...) Eu acho que o
impacto foi ruim... aquele confronto, entre o professor e aluno que
não deve existir (...)Eu tive um impacto ruim, no sentido dos alunos,
porque a Faculdade prepara você para dar aulas, mas não ensina a
receber vários tipos de alunos, e isso acontece em escolas (...)
Esse professor me pareceu ainda estar em busca de sua aceitação/ajuste
profissional, analisando as realidades vividas na sua infância e as comparando com as
condições atuais, esquecendo-se de que o movimento histórico e social  é  dinâmico e
dialético, e que há novas razões para se levar em consideração na análise e reflexão
sobre a escola e seus alunos.
Outro aspecto dessa passagem parece estar no sentimento de solidão. Sem a
Universidade, e com sentimento de inexperiência para iniciar, as dificuldades surgem e
com isso também podem surgir alguns dilemas, advindos do impacto com a realidade,
do contexto escolar, sendo que este fator pode confirmar ou até produzir retrocessos
pedagógicos no professor iniciante, pois, ser aceito, é o que o professor busca nessa fase
de iniciação.
Outras falas dos professores, me pareceram bastante relevantes nesse aspecto,
dando mais visibilidade sobre os impactos, influências e imagens relativas aos primeiros
contatos como professor em sala de aula. Por exemplo: 6
(...) Me deram uns conselhos assim nos primeiros dias: ”Não mostre
os dentes para nada”. Eu, porém, acho que isso não  influencia em
nada, a partir do momento que você está dando risada, é porque o
ambiente está saudável, está bom, você tem de mostrar firmeza (...) O
que mais me causou impacto, foi na minha aprendizagem, porque
como estudante, tinha a visão de um modo, quando passei a ser
professora, eu vi que as coisas eram de outro modo.  (Marina)
Esta professora, em particular, revela, a partir do conselho recebido, uma visão
crítica sobre a imagem de firmeza e limites em sala de aula, avaliando que a prática
profissional necessita de uma aprendizagem inicial  e contínua para seu
desenvolvimento. Os professores iniciantes precisam de referências para saberem
construir seus processos de reflexão, havendo, portanto, necessidade de uma discussão e
avaliação sobre o desenvolvimento da carreira, para que possam traçar seus próprios
planos, percebendo suas dificuldades e avanços. LOUREIRO (1997, p.156), sob este
aspecto, comenta ser:
(...) conveniente programar apoios diferenciados a  professores que
estejam em fases diferentes e ajudá-los a tomarem decisões
individuais sobre a sua carreira. Ao ajustar-se o docente a
reconhecer onde está em termos de seu desenvolvimento,
proporcionam-se, consequentemente, as bases para que ele próprio
formule o seu plano de crescimento.
A diferença entre o imaginário e o real  aparecem muitas vezes nas falas dos
professores quando descrevem situações problemáticas, que geraram inseguranças ou
dificuldades com a gestão da classe (indisciplina,  motivação, conteúdo, entre outros
aspectos), ou ainda, com o processo de ensino-aprendizagem. O aspecto da
sobrevivência (SILVA,1997), é apontado como fator principal para a não desistência da
carreira.
  (...) [O primeiro contato] foi terrível, porque a imagem que eu tinha,
tanto na faculdade, quanto de segundo grau, é que por mais que
adolescente não se interesse muito por determinados assuntos, eu via
que eu estava ali falando sozinho, porque eu não tinha idéia de uma
escola que era boa, de.. e o que eu estava falando ali na sala, para
mim era coisa básica, coisa de quinta série, e eu estava no segundo 7
ano do segundo grau, ih! (...) Na hora das frações  eles não sabiam
tirar um mínimo e eu fiquei muito nervoso, porque eu não sabia se eu
estava conseguindo ensinar!. Eu me sentia incapaz, eles não sabiam
do que eu estava falando, fiquei falando sozinho cinqüenta minutos.
Então, para mim, foi péssimo. Fui embora para casa, e não queria
fazer mais aquilo, eu fui por necessidade. (...)Como aluno eu era bom,
quando exigido, na maioria das vezes eu atendia às  expectativas.
Como professor eu sou ruim, nada ensino, ninguém aprende.
(Marcos)
A Tânia, sobre o choque com a realidade diz que:
(...) A princípio houve um choque, estar lá na frente falando para os
46 alunos, mas depois percebi que ser educador é muito gostoso,
apesar de em algumas situações, o que ocorre em sala de aula, nem
sempre é “mil maravilhas”. (...) Como aluna, gostava de estudar
muito, era muito aplicada. Tendo esta postura como aluna, queria que
todos os alunos fossem como eu, mas agora consegui  entender que
cada um tem o seu objetivo, e que a partir desses objetivos devemos
trabalhar para que o conhecimento seja desenvolvido e atinja a
vontade de “querer saber”.
Curioso constatar as comparações feitas pelos próprios professores, sobre suas
posturas como estudantes e os seus alunos. Mais que destacarem influências de
professores passados, revelam a influência da Escola como um todo (como de
estudantes, amigos de colégio, direção, dentre outros) .
A influência familiar e educação básica, nos termos da entrevista da história de
vida de Ivan, evidencia que, antes de sua vivência na carreira docente, a internalização
de alguns valores sociais em sua socialização foi muito forte e, a partir de suas falas,
eles se refletirão no processo de passagem de discente para docente quando afirma:
(...) O início da minha escola foi parecido com minha vida particular
em casa, porque era rigoroso também. Naquela época tinha de andar
alinhado, uniforme, meião até o joelho... e tinha regras para tudo
naquela escola. (...) Da 1ª à 4ª séries era um professor só, então
aquela professora era tudo para você (...) 8
Sobre seu interesse pela Matemática,  destacou que  possuía facilidade na
aprendizagem de cálculo, mas, parece ter iniciado uma grande valorização do
conhecimento matemático e construção de uma auto-imagem nesta fase, a partir da
influência de professores com perfís “de grande saber matemático” e/ou atenciosos nas
dificuldades apresentadas pelos alunos.
(...) Eu não podia ver a professora de Português que já... não gostava
mesmo! Acho que isso me levou à Matemática... e não gostar da área
de Humanas. (...)[O problema] com Português começou na 5ª série,
porque a professora humilhava muito os alunos na sala de aula, e eu
tinha a mania de trocar o T pelo D. Então, quando ela estava fazendo
ditado, ela dizia: Olhe gente! O fulano vai errar! Ela falava como se
adivinhasse que você estava fazendo errado, e, às vezes, você não
estava fazendo errado! Só que naquele tempo o aluno não podia falar
muito em sala de aula, tinha aquele medo.
A vida que antecedeu a inserção de Marina na carreira docente, parece revelar
que esta tenha recebido uma atenção especial de sua família pelo fato de ser a primeira
filha de um casal com dificuldades em gerar filhos. Estas evidências se destacam em
apoios frente aos problemas ocorridos com seus professores, no ensino fundamental e
no  Magistério, quando reforça a idéia de que seus problemas como discente, foram com
professoras grossas e agressivas.
(...) Ela [a professora] não dava matéria, não dava nada e faltava,
faltava que era um absurdo!. Sabe? Era daquelas ignorantes, gritava
e era só livro para leitura, só contava as estórias [dos livros] que ela
ia dar nota (...)  
Também chamou-me atenção a opção pela carreira de Marina, quando afirma
ser esta um sonho de criança, em termos de ascensão social. A Matemática parece ter
reforçado uma busca de status dentro e fora da escola, no seu círculo familiar e de
amigos. Parece, ainda, ter sofrido influência e incentivo dos pais e depois também do
marido. “Eu não tinha preferência por professor ou professora, era só saber cativar os
alunos, que eu ia bem”. Porém, admite que sempre viu a Matemática como uma
disciplina importante no currículo escolar, ao contrário de Geografia, História e
Português.“(...) Desde o início eu tinha isso comigo de ser professora, eu lutei, batalhei 9
até que eu consegui. (...) [Escolhi] ser professora, e ser de Matemática porque era do
cálculo que eu gostava! “
Quanto à Marcos, este afirmou que, ao entrar em uma grande universidade
pública, e fazendo um curso de Engenharia Elétrica, tinha facilidade nos estudos porque
tinha uma base mecanicista e memorística para a Matemática, segundo ele, adquirida no
ensino médio. Ainda, deixará claro que, o ponto forte da Universidade foi a
oportunidade de morar fora e conhecer muitas pessoas. Não cogitava ser professor, mas,
com o término da Universidade, mudou-se novamente com a família, não conseguindo
emprego como engenheiro no primeiro momento. Ao ser convidado por uma escola
particular para ministrar aulas, deixará evidente que este início de carreira significará
status/representação social e oportunidade de emprego, embora se sentisse bem em ser
professor de Matemática.
(...) Eu fui destaque, ganhando várias vezes [as olimpíadas de
Matemática] (...) Eu não gostava, mas estudava até contrariado (...)
porque a estrutura vai [estar] na cabeça das pessoas.
O ensino médio de Tânia foi voltado para o vestibular, e ela adorava conseguir
resolver exercícios da Universidade de Campinas (Unicamp). Considera, nesta fase, o
professor de Química como o pior professor, por elaborar provas que já sabia que
ninguém conseguiria fazer. (...) “Eu acho que o segundo grau de hoje não existe mais,
só para o vestibular. O ensino médio tem objetivo de preparar o aluno para a vida”.
Segundo Tânia, como ela ficou na lista de espera da Unicamp, resolveu fazer
uma escola particular, por influência de sua mãe. Optou pela Matemática porque queria
ser professora, e lhe agradava a idéia de lidar com pessoas e com a Matemática.
Aprovou o currículo de Ciências e Matemática que cursou na Faculdade.
Os relatos que os professores/as trouxeram no sentido de esclarecer como os
primeiros grupos sociais contribuíram para suas ações e papéis sociais futuros, denotam
como suas infâncias e escolaridades básicas contribuíram para suas primeiras
impressões sobre o processo de ensino-aprendizagem e a relação professor-aluno:
(...)A importância que vejo é a educação [rigorosa da infância] que
meus pais me deram. Hoje em dia a gente não vê mais isso em sala de
aula, porque você olha o aluno e ele não tem um comportamento que
a gente tinha antigamente (...) Tinha regras para tudo naquela escola,
hoje em dia, não sei se tem mais (...) Hoje a turma desrespeita todo 10
mundo dentro da escola, vê a diretora como se fosse a chefona (...) O
interesse antigamente era bem maior que hoje em dia..., o aluno vem
na escola, faz a parte dele, quando faz!. Volta para casa, e quer só
brincar, bagunçar e não faz nada em casa. (Ivan)
Alguns dilemas apresentados na literatura, por SILVA (1997), são abordados
por Ivan, ao mencionar a dificuldade em conciliar o ser rigoroso e ser bonzinho ao
mesmo tempo com seus alunos: ”(...) Eu sou rigoroso, mas eu brinco muito em sala de
aula, eu gosto que os alunos fiquem à vontade, e isso gera indisciplina, é uma ação que
eu não estou conseguindo conciliar, ser bonzinho e rigoroso ao mesmo tempo.
As influências familiares e da educação básica foram apresentadas pelos
professores, como uma das muitas variáveis relevantes desse processo e, nesse sentido,
autores como WOODS (1999) e MARCELO GARCIA (1999a), admitem a necessidade
de se aprofundar estudos sobre tais influências, para melhor compreendermos o
processo de ser professor, considerando sobretudo os aspectos sociológicos,  para que
a reflexão seja mais ampla e significativa. Alguns  exemplos das manifestações dos
professores ilustram estes aspectos e suas influências.  Marina comenta que “(...) O
primeiro passo que você tem que dar é ser amiga dos alunos, porque com
agressividade, sendo grossa, você não vai conseguir nada”. Essa professora teve
muitos problemas com professores que agiam de maneira grosseira, e não conversavam
com seus alunos.Outra manifestação sobre este aspecto foi a do Ivan, quando diz: “[O
modelo que adoto] acredito ser um modelo mais familiar, mas procuro fazer um
equilíbrio com o modelo da Educação escolar.” O professor considera a escola como
segunda família, tanto na infância, como na prática profissional docente.
Também Marcos vai afirmar que:
(...) A educação que tive tanto em casa, quanto na escola, foi marcada
pela preservação de valores morais e pela importância da
assimilação de conteúdos. E são mais ou menos esses conceitos que
eu tento transmitir para os alunos. É, sem dúvida, um modelo bastante
conservador (...) Atualmente, trabalhando os conteúdos de segundo
grau  e vendo os alunos que não tem condições de entender uma soma
de frações (que eu também não tinha) e eu sei que eles podem
aprender; às vezes eu tento passar para eles que eu era como eles e 11
hoje sou professor, então eu tento, na medida do possível ver se eu
consigo incentivar, mas eu não consigo.
A busca por disciplina/obediência e assimilação de  conteúdo também será
constante nas falas desse professor, afirmando ter dificuldades com a falta de interesse
de seus alunos pela Matemática e problemas com sua  interação/relacionamento, em
relação a eles, pois, normalmente, os alunos não se adaptam à sua postura rígida como
docente. Este professor revela almejar uma ampla ressignificação de suas concepções de
ensino-aprendizagem e do papel social do professor.
O sistema social mais amplo, possui forte influência em todos os níveis da
organização escolar (desde a determinação das política públicas até a sala de aula), à
natureza e funções sociais da escola, e que nem sempre são claras aos professores
iniciantes. O professor, ao se inserir neste espaço social já previamente traçado,
encontrará uma realidade nunca vista, como profissional, isto é, influências de pares
professores, direção, alunos e pais, ou seja o contexto escolar em sua plenitude. Nesse
aspecto, vejo ser necessário cada vez mais estudarmos o professor e suas primeiras
interações, no contexto de sua inserção, porque, como diz VEENMAN, citado por
SILVA (1997, p.56):
(...) ‘pouco se sabe das situações educativas em que as experiências
dos professores se tornam problemáticas e sobre as  características
pessoais dos próprios professores que interagem com essas situações.
Será necessário estudar os comportamentos dos professores como
sendo uma resultante de suas interações com o contexto.
SILVA (op.cit, p.55) destaca, nessa passagem com  dificuldades de adaptação
ao novo contexto, (seja de natureza pessoal ou de influências externas) o seguinte:
(...) Para se adaptar à nova situação, as suas crenças, os seu modo de
pensar e agir, passarão a ser, mais ou menos, condicionados pelas
crenças e pelos modos de pensar e agir dos outros membros do grupo
profissional a que passa a pertencer. É um novo estatuto que se
adquire, com direitos e obrigações, talvez com vantagens –pessoais,
sociais e econômicas-, mas também, freqüentemente, com o preço do
isolamento no meio dos seus pares, com olhares que ferem...
LLINARES (1990, p.67), neste mesmo sentido, diz ainda: 12
(...) Al considerar este proceso [enseñanza-aprendizaje] teniendo
lugar en un contexto institucionalizado, las características de la
enseñanza desarollada son vistas siendo determinadas tanto por los
límites impuestos por el próprio contexto ecológico de la enseñanza
(organización, materiales disponibles, nivel de los alumnos, existencia
o no de seminarios activos de profesores,...), como por las
características y natureza del conocimiento del profesor.
Tânia comentará em uma das suas falas, a importância da discussão de todos os
membros da escola na sua organização e na elaboração da proposta pedagógica, pois,
eles devem espelhar, nos objetivos e estratégias, os anseios de seus participantes para
que se torne uma escola voltada à comunidade e com papel social representado em seu
todo e pelos seus membros. Só assim estará colaborando para a formação de uma
cidadania e qualidade de vida mais dignos e justos.
(...) A organização pedagógica da escola deverá ser discutido com o
corpo docente de uma unidade escolar, juntamente com a direção,
vice-direção e coordenação, pois, uma vez elaborada a proposta
pedagógica, devemos seguí-la. (Tânia)
Considerações finais
              A relação do professor com o seu contexto, pode ser analisada sob muitos
aspectos, dos quais destacaria, professor-aluno e professor-escola e as inferências entre
eles, que podem ser determinantes para a opção do modelo pedagógico do professor
iniciante. A relação professor-aluno tem sido mencionado na literatura atual, porque
trata da interação que concretiza, através de ações, o ensino-aprendizagem e a sua
influência nas relações do aluno com a sociedade e  vice-versa. Porém, temos
consciência de que precisamos nos atualizar, para termos como trabalhar em uma
sociedade contemporânea tão complexa e diversa. As mudanças não podem apenas estar
à serviço e em função do mercado de trabalho, mas,  precisamos analisar com mais
cuidado esse aspecto, pois nosso papel é crítico e de abertura de mundos. Portanto, este
aspecto de mudanças na sociedade, não podem ser esquecidos nesse processo e é
preciso reavaliarmos  nossas ações, nossos resultados e nossas programações.
FIORENTINI e SADER (1999, 3) diz: 13
(...) Verificamos, por um lado, que as rápidas transformações
científicas, tecnológicas, sociais e culturais se articulam com as novas
formas de organização social e de trabalho. Por outro lado, essas
novas formas passam a exigir também o desenvolvimento de outros
saberes e, conseqüentemente, de outros modos de produção dos
conhecimentos e da educação.
Marcos faz um comentário sobre essa preocupação, sugerindo que tal relação
tenha criatividade, no sentido de se solucionar os  problemas existentes, percebendo,
organizando, concretizando e valorizando nosso papel social de educadores. Parece-me,
de fato, ser este aspecto essencial para o desenvolvimento da carreira docente, como
bem faz uma analogia o próprio  Marcos e também, nesta direção, Ivan comenta:  
(...) Como seria a relação de um padeiro com seus fregueses se a
massa não crescesse? Como seria a relação de um cantor com seu
público se as suas canções não despertassem emoção? Talvez estejam
faltando alguns ingredientes a mais nessa relação [professor junto à
Escola e a Sociedade], mais criatividade.(...) [A organização
pedagógica] é assunto para qualquer pessoa que se encontre
envolvida seriamente, seja na maneira que for, com  o processo de
ensino-aprendizagem. E esse envolvimento deve ser encarado com
seriedade, de forma que uma vez definidas as metas  e os métodos a
serem seguidos pela escola, essas mesmas pessoas sejam capazes de
detectar as possíveis falhas e acertos para que o processo possa ser
revisto e reavaliado constantemente.(Marcos)
(...) Através da conscientização de ambas as partes [professores e
alunos] a relação professor-aluno-conteúdo, pode ser reorientada
para a superação dos fracassos escolares e desestímulos.(Ivan)
A percepção da relação entre prática pedagógica e contexto escolar, em que os
professores/as estão inseridos, são fatores importantes para a reflexão dessa relação.
Porém, em muitos casos, essa reflexão não avança em práticas que ajudam, podendo
criar conflitos, medos ou mesmo dilemas que são de  difícil superação, e levando ao
desânimo e retirando a curiosidade, a descoberta que são características essenciais do
professor iniciante e que podem ser aproveitados positivamente. 14
Já na relação entre professor-escola, podemos verificar que, na inserção do
professor, as suas impressões sobre seu ambiente de trabalho, (tanto os aspectos físicos,
quanto humanos) presentes nas falas, parecem influenciar na construção de suas práticas
pedagógicas e no seu desenvolvimento profissional.
Marina descreve seu ambiente escolar e comenta suas impressões acerca das
influências entre professores e alunos, mas, não consegue explicitar e enfatizar seu
papel pessoal, profissional frente a este espaço, inclusive se, ou como, poderia mudá-lo:
(...) [A escola] não tem ambiente, as salas de aulas são sujas,
ventiladores quebrados..., então são coisas que influenciam até no
ensino. (...) As paredes pichadas, os ventiladores, os vidros, os alunos
quebram, sujam, cortinas os alunos rasgam... a direção devia fazer
alguma coisa. (...) A direção não expulsa, não dá advertência, e nesse
caso pode até sobrar para o professor; eles acham que o professor é
que tem que fazer tudo. (Marina)
O Marcos descreve o seu ambiente de trabalho destacando as influências
externas e internas recebidas pelo contexto escolar, o ambiente/relações com seus pares,
diretores, e, até orientações oficiais entram em conflito e gerando inseguranças,
sensação de fracasso e sentimento de solidão em sua vida profissional. Contudo, sempre
procurou demonstrar certa aceitação e/ou conformidade pelos seus limites e dilemas.
Outro aspecto importante a ser analisado, neste sentido, são as dificuldades de
relacionamento que os professores/as revelam nos primeiros momentos de suas vidas,
em sala de aula, como docentes.
 (...) [No primeiro dia] fui me apresentar na sala de aula, e antes de
me apresentar eu falei boa noite, daí um menino lá no fundo começou,
“boa noitiii, boa noitiii,..., sabe um palhaço lá no fundo. Então eu
falei: Qual é a graça? Qual o engraçadinho aí que está...? Já comecei
sabe? Qual a graça? O que foi? Aí eu conversei com eles, que eram
livres, que quem não queria estar ali para assistir minha aula, não
tinha que ficar, a porta estava ali, que poderia sair, mas quem fosse
ficar era para respeitar e ficar atento. Aí o menino já aquietou o
facho, porque ele ficou me repetindo várias vezes, (...) já fui entrando
na matéria, e aí não tive dificuldades. (Marina) 15
As mudanças educacionais atuais, também parecem repercutir e/ou influenciar
negativamente esses professores, não sendo bem avaliadas por eles, que afirmaram não
conhecer profundamente as propostas, e que, portanto, não conseguiam refletir e
argumentar criticamente. A necessidade de um acompanhamento desses professores, no
meu entender, parece fundamental neste momento, pois, o brilho inicial, de quem está
começando a carreira, já parece estar fosco demais, segundo suas declarações:
(...)PCNs é um material de apoio nosso, e eu como professor nunca
me vi na necessidade de pegar esse apoio (...) Conversar com os
colegas, a gente troca informações, aí um auxilia o outro. (...) Eles
chamam a gente para orientação técnica (OT), mas sempre pedem
assim: “Tragam experiências de vocês” (sic). Mas como eu vou trazer
experiências se vou lá para aprender mais experiências? Então é uma
coisa furada, as experiências sempre são as mesmas, as trocas de
informações são sempre as da gente mesmo, dos professores, porque
se depender dos supervisores, nunca sai nada diferente, é troca de
experiências de professores só, de coordenação, lá da Delegacia, não
tem nada(...) ( Ivan) (...) É necessário retornar ao sistema antigo, não
a progressão continuada (...) Olha, a carreira do professor era para
ser melhor, mas agora ele está muito defasado e, por causa disso,
acaba o incentivo do aluno e do professor. O professor está ensinando
e os alunos não estão nem aí, você fica falando com as paredes...;
então o professor acaba com aquela vontade de ensinar e eles
acabam desanimando os próprios professores. Você tem que encarar,
pegar um ou dois que estão a fim de aprender alguma coisa e você
ensinar para esses, porque o restante da sala não está nem aí. Eles só
querem notas, só querem diploma, só querem o certificado,... não
querem saber que lá fora eles precisam disso aí. (Marina)
Em vários momentos das falas dos professores podemos evidenciar um
distanciamento entre formação e realidade, se considerarmos as narrativas como retratos
de suas experiências e formações (inicial e contínua). Estas pareceram ainda marcadas
pelos modelos de formação tradicional dos nossos cursos de licenciatura, onde primeiro
aprendemos “teorias” e, depois, “as práticas,” dificultando novas ressignificações e/ou
inovações para a construção de um novo processo de ensino.

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